domingo, 31 de março de 2019

Foi a vida que te esqueceu ou foi você que se vitimizou?


Uma das piores dores é a de se sentir excluído, você provavelmente sabe do que eu estou falando. Parece que todo mundo tem o seu lugar no mundo menos você que se sente um ser à parte, um ponto fora da curva, uma pessoa completamente deslocada, negligenciada, esquecida. “Todo mundo” está feliz - você pensa. “Todo mundo” está se divertindo - pelo menos é o que você vê nas suas redes sociais.

E é assim que você começa a questionar a sua própria vida, a criticar as suas escolhas, a se diminuir pelo fato de simplesmente ter uma vida diferente daquela que os outros aparentam ter. Você generaliza a felicidade alheia para intensificar a sua miséria, você usa de fragmentos de uma rede para condenar a sua própria vida, e talvez nem perceba mas cada vez que faz isso mais você se vitimiza diante da vida, como se o universo estivesse à favor de todos exceto de você.
E sim, pode ser que realmente as pessoas que você acompanha nas redes sociais estejam felizes, estejam se divertindo de verdade, aproveitando a vida. Mas essa é a vida que elas estão escolhendo, construindo, e você, o que está fazendo com a sua oportunidade de viver?

Por que tanto desprezo por si? Quando foi que você aprendeu a hipervalorizar as conquistas do outro e diminuir as suas? É que não estamos falando somente de conquistas, estamos falando de valorizar as próprias experiências, valorizar a sua própria vida.

Parece que aí dentro de você mora um indivíduo sabotador: que faz questão de olhar para os lados pra rejeitar o que está bem debaixo do próprio nariz. Isso te lembra alguém?

Pois é, deve ter sido muito dolorido receber um dar de ombros quando se queria ganhar um “parabéns”, deve ter sido muito frustrante receber um “não fez mais que a sua obrigação” quando na verdade você queria só um abraço de orgulho e admiração, e pra não viver toda essa dor novamente seu inconsciente aprendeu a esquecer de si e olhar somente para o outro, foi assim que você se tornou um cobiçador da vida alheia.

Você não precisa dar continuidade nesse aprendizado arcaico e infantil. Sabia disso? As vezes quem te ensinou, não sabia que também podia olhar para si e se admirar. Ou ainda, não sabia da importância de estimular alguém a olhar para si... E embora tenha doído muito, hoje você pode reconhecer esta dor de forma adulta e buscar recursos para lidar com as ausências do passado.

Você pode interromper este ciclo, pode começar a se apropriar mais dos dias, horas, minutos que existem a sua disposição. Pode se permitir construir experiências que combinam com a sua identidade, pode se lançar para novas possibilidades e sim, se lhe for oportuno, também compartilhar nas redes sociais a sua felicidade.
O mundo não é só para os outros, o mundo é para você também.

Não fez mais que a sua obrigação?


Eu poderia sintetizar este texto utilizando a metáfora do copo: há pessoas que o vêem meio cheio, outras, meio vazio. O que muda não é objeto observado, mas sim a forma como se observa.
É duvidoso pensar que alguém goste de ser pessimista, que obtenha prazer e até mesmo qualidade de vida vendo a vida sob a ótica da negatividade, do menos, da escassez. É interessante porque atualmente os livros de autoajuda são os mais vendidos no mercado, mas são também aqueles que após lidos geralmente vão parar em uma gaveta e ficam completamente esquecidos. Não é porque eles não oferecem bons conteúdos, mas é porque eles funcionam para quem já tem a tendência em olhar a vida pelo prisma do otimismo. Quem desconhece esse jeito de viver poderá até se esforçar para seguir as tarefas que os livros sugerem, mas terão que lutar contra seus monstros internos que os pede constantemente para continuar vendo o copo meio vazio.
As pessoas que trazem este olhar pesado e até mesmo preto e branco sobre a vida possuem um caso íntimo com o perfeccionismo. Qual a relação? Quanto mais metódicas e exigentes consigo, maior a tendência em verem defeitos em si e no mundo.
Geralmente elas só se darão conta do quão doloroso é o próprio funcionamento quando receberem críticas: "Você é uma pessoa amarga", "...ranzinza, amargurada", "...está sempre de cara fechada, insatisfeita, emburrada". E também quando se compararem a outras pessoas que demonstram maior flexibilidade e gratidão para com a vida, aí se questionarão: "o que há de errado comigo?"
Como aprenderam desde muito cedo a serem perfeitas, acreditam que a busca pela perfeição é o único jeito de viver. Porém não se dão conta que o problema não está nas imperfeições que a vida apresenta, mas sim na busca delas por este ideal.
É interessante porque a sociedade capitalista reforça este padrão de perfeição, e contraditório porque esta mesma sociedade cultua através da arte, lugares e personagens aquilo que foge do padrão. A Torre de Pisa é um exemplo, milhares de pessoas visitam anualmente a torre torta na Itália para vê-la, tirar foto com ela; não muito longe temos em Gramado - RS, a famosa Rua torta que atrai centenas de turistas diariamente. Lady Gaga também representa este ponto fora da curva, uma cantora que faz do seu corpo uma tela para aquilo que quer representar rejeitando os padrões estereotipados para a sua profissão. Ou seja, parece que nós precisamos cultuar o que é imperfeito para mantermos a ilusão de que somos perfeitos.
As consequências disso são dolorosas do ponto de vista emocional: não reconhecemos os nossos limites, nos frustramos com muita facilidade, resistimos a mudanças, rejeitamos as adaptações, ficamos irritadiços quando algo não dá certo como idealizamos, não desenvolvemos resiliência, nos tornamos pessoas "emburradas".
E é necessário se dar conta dos prejuízos individuais que a ação de ver o copo meio vazio traz, é preciso identificar a dor da própria imperfeição para aprender a lidar com ela.
Então eu te lanço alguns desafios de autoconhecimento:
·         se olhe no espelho e perceba como você costuma se enxergar (com críticas ou com elogios);
·         reflita: quando você não consegue conquistar algo que quer, o que passa pela sua mente a seu respeito?
·         quando alguém próximo te presenteia, você se sente grato por isso ou acha que a pessoa não fez que a obrigação dela?

A psicoterapia provoca questionamentos fundamentais para que a tomada de consciência ocorra, mas sobretudo, ela oferece suporte para que o indivíduo faça contato com a dor de nunca ter sido considerado bom o suficiente. É através deste processo interno que a mudança real ocorre. Procure um psicólogo.