sábado, 10 de outubro de 2020

Hei, como é que você foge da solidão?

 

Você sabia que a intensidade do desejo de agradar as pessoas será proporcional ao medo da solidão? Pois é, existe inclusive uma frase que diz mais ou menos assim: "Quando eu sou quem você quer que eu seja eu já não sou mais eu inteira, mas sou somente uma parte de mim que teme a solidão".

Faz sentido para você?

Na tentativa de aplacar a repetição de uma história dolorida de rejeição que ficou no nosso passado, desenvolvemos uma estratégia, é o famoso mecanismo de defesa que a psicanálise nos presenteou. Nós vestimos a máscara da polidez, passamos a ser extremamente disponíveis, dispostos, agradáveis e sem vontade própria. E se essa máscara em algum momento parece realmente evitar o nosso contato com uma nova rejeição e solidão, então nós confirmamos a ideia de que ela funciona e passamos a incorporar esta máscara ao nosso armário. Para alguns esta máscara vira uma segunda pele que os acompanha durante toda uma vida.

Evitar uma dor não significa sentir alegria. Evitar o desprazer não é o mesmo que ter prazer. E te escrevo isso porque gostaria de te ajudar a refletir que talvez você esteja vivendo somente para se poupar de sentir dor e não percebe que esse movimento de super proteção consigo impede que o prazer faça parte dos seus dias. Você pode até ter pessoas ao seu entorno justamente por se cobrar a ser tão disponível e amável, mas, e quando todos vão embora, o que você faz com a solidão que te habita?

A solidão quando decorrente de um trauma, é muito dolorida porque geralmente está associada a uma situação de rejeição ou de abandono, foi exatamente aí onde o mecanismo de defesa surgiu para nos poupar de acessar novamente este trauma: "opa" vou ser bonzinho para não perder mais ninguém!", mas honestamente, será que este mecanismo ainda funciona, e mais, será que ele ainda é necessário?

Quem sabe você deixou a sua identidade lá atrás e por isso não reconhece mais a sua capacidade de lidar com algumas emoções e sentimentos, talvez a sua identidade ficou congelada no momento daquele trauma, e desde então você está caminhando com uma pseudo identidade, e se você quer saber o real preço disso é só olhar para as suas relações. Pode estar faltando "eu quero", "eu não quero", "eu prefiro", eu gosto", "eu não gosto", "sai daqui", "vem aqui", "eu mereço".

Eu gostaria que você se desse a oportunidade de voltar algumas casas atrás para entender onde a sua identidade ficou, e poder chorar ao olhar para ela, gostaria que você sentisse compaixão por quem você se tornou, e pegasse enfim todas as mágoas e tristezas e raivas acumuladas para resgatar aquela parte sua que ficou presa no limbo traumático. Eu gostaria que você fosse mais você, mas gostaria que você fosse por você e não por mim, afinal, se agradar é uma novidade, já agradar o outro... essa é a sua especialidade, mas não precisa ser mais.

Busque ajuda psicológica para lidar com o medo da solidão, se permita identificar em que momento o trauma aconteceu, e então elaborá-lo para não mais viver temendo que ele ressurja.



A linha tênue entre autocuidado e procrastinação

 

Você certamente já comeu uma sobremesa muito gostosa, tão gostosa que dava vontade de repetir de novo. Mas ao repetir, sei lá, "do nada" ela ficou enjoativa. A garganta começou arranhar e aí você percebeu que a experiência já não estava mais sendo boa, ela de repente tinha se transformado em mal estar. Linha tênue né? Pois é, eu poderia falar sobre como os excessos às vezes se transformam em intoxicação mas talvez até aqui você tenha conseguido refletir sobre isto, então neste momento quero conversar com você sobre desconhecer os próprios limites, as próprias satisfações, sobre não ter uma boa relação com o seu termômetro físico e emocional.

Gente, como fazer escolhas às vezes se torna um processo extremamente difícil e amedrontador, nestas vezes parece tão mais fácil ouvir alguém e atender exatamente o que este alguém nos diz, né? "O que você acha que eu devo fazer?" - Esta é uma pergunta que eu costumo ouvir nos primeiros atendimentos - nos primeiros porque no decorrer do processo terapêutico  o paciente vai percebendo que não dou respostas porque simplesmente não tenho este direito, somente ele tem.

"Será que eu estou me poupando de estresse ou será que estou procrastinando algo que eu preciso fazer?" Eu honestamente não sei responder esta questão, mas eu posso te fazer outras para que você pense um pouco sobre si:

 

·         Qual a sua condição emocional neste exato momento?

·         O que o seu corpo está pedindo?

·         Quais as consequências de atendê-lo?

·         Depois da satisfação que seu corpo está pedindo, você poderá novamente perguntar para si qual a sua nova condição emocional?

 

A insatisfação crônica aparece quando a pessoa não aceita o fim daquilo que é prazeroso e por não aceitar, quer sempre mais, e assim fica completamente dependente dos prazeres para viver, ela se torna refém dos próprios desejos.

Contar com o desejo para realizar algo que estabelecemos como importante ou necessário para a nossa vida - mesmo que a satisfação venha a longo prazo - é bastante arriscado e até mesmo infantil. Não pegue esta última palavra com uma conotação pejorativa, pois, só quero te dizer que é a criança que faz do desejo o seu mestre, é ela que conta com ele para  emocionalmente se movimentar na vida. Não, o desejo não vai aparecer sempre e ele também não regerá as nossas escolhas o tempo inteiro, até porque não é necessário. Podemos fazer escolhas que estão ligadas a outros correspondentes emocionais desde que essas escolhas combinem com o que queremos para nós.

É como descansar, o bem estar só aparecerá porque descansamos, ou seja, porque estivemos cansados e o ato de descansar aliviou a nossa fadiga. O descanso só tem efeito reparador quando há cansaço. E para que haja cansaço é necessário ter um movimento em prol do esforço e que nem sempre virá atrelado ao prazer imediato.

Quem sabe você a partir da leitura deste artigo, possa se perceber mais no seu dia a dia para identificar qual a linha que separa o seu autocuidado da pocrastinação, talvez você até já saiba e apenas precisa assumir conscientemente quando está em contato com um ou com o outro.

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Culto ao esforço


Se você tiver a oportunidade, pergunte aos seus pais e avós como era a qualidade de vida deles quanto tinham a sua idade. Escute a história que eles têm para contar, observe as prioridades deles na época, os objetivos de vida que tinham, as preocupações e valores morais que faziam parte do seu dia a dia. Pergunte também sobre as condições físicas, financeiras, emocionais e culturais.
Dentro do desenvolvimento saudável do ser humano, é necessário que em um dado momento da sua infância ele consiga se distinguir da mãe e do pai. Quando essa desfusão não acontece o indivíduo cresce acreditando que o jeito de viver dos pais é o único no mundo e que portanto, é o seu também, ele constrói então uma simbiose relacional onde ele e o pai ou a mãe são a mesma pessoa. 
Então, se este processo não aconteceu naturalmente, quando adultos podemos conhecer a realidade dos nossos familiares para nos ajudar a separar a história deles da nossa. Há pessoas que carregam por gerações a fio uma crença que é altamente prejudicial para os dias atuais, mas que por nunca ter sido questionada, acaba se tornando uma regra fixa.
A valorização do trabalho e dos esforços para conquistar coisas, espaço e poder demonstram esta situação sistêmica. Ás vezes existe uma identificação tão intensa com a história passada dos próprios familiares que a pessoa sem perceber, acaba reproduzindo o mesmo modo de viver de alguns membros da família: buscam os mesmos empregos, os mesmos salários, a mesma satisfação ou insatisfação, e até mesmo os mesmos desgastes físicos, mentais e emocionais.

Algumas pessoas relatam:
“Mas eu aprendi com o meu pai a viver pro trabalho”
“Mas a minha mãe disse que descansar é coisa de vadio e de quem não quer nada com a vida”
“É como a minha família sempre diz: 'Agora é a hora de eu produzir e render pra um dia poder descansar na velhice'”...

Neste sentido, há famílias que cultuam o esforço e o sofrimento no meio profissional, nem se questionam sobre o porquê, até porque acreditam que sofrimento e trabalho estão ligados sendo impossível quebrar esta relação. São pessoas que aprenderam a viver somente para suprir as  necessidades mais primitivas da vida, e que precisaram negligenciar as próprias emoções em prol da sua existência. Não podiam sentir medo, sono, cansaço porque a vida exigia pressa e produtividade, logo, tiveram que inconscientemente bloquear os seus sentimentos e viver como se fossem máquinas. E mesmo que os anos se passem, continuam vivendo desse jeito: se culpam por descansar, quando pegam férias se cobram, sentem vergonha de admitir as suas vulnerabilidades, desenvolvem crises de ansiedade e adoecem quando param de trabalhar...
E então aquela crença de que "um dia vou descansar" não se concretiza uma vez que não se aprendeu a descansar, não se autoriza a sentir prazer e ter momentos de lazer.
É por isso que te questiono: Qual o sentido que a vida profissional tem para você?, e este sentido, foi você quem criou ou ele foi construído por alguém que não é você?
Se apropriar dos nossos objetivos na vida é uma forma de fortalecer a nossa identidade e obter mais satisfação no nosso dia a dia, é dessa forma que conseguiremos separar a nossa história de vida daquela que nossos familiares tiveram.
Então, te sugiro refletir sobre a possibilidade de viver para além do trabalho, em construir outros papéis na sua vida tão importantes quanto o de profissional. A qualidade de vida é conquistada quando permitimos que cada área da nossa vida tenha uma representação saudável e compatível com a realidade: ser pai, mãe, profissional, amigo, filha, neto, estudante, merecem espaço na nossa história, e podem nos abrir um novo mundo de possibilidades e, de crenças, porém agora, autorais, personalizadas por nós mesmos e com base nas nossas próprias experiências.

domingo, 5 de maio de 2019

Psicoterapia pelo bem da nossa saúde emocional


Gosto de perguntar ao paciente que me procura se é a primeira vez que ele faz psicoterapia e o que sabe sobre o processo terapêutico, é uma forma de compreender como ele lida com a sua saúde mental e se possui alguma crença errônea sobre o trabalho terapêutico. Algumas pessoas vem tímidas ao consultório, aparecem inseguras, desconfiadas... Mas ao longo da psicoterapia revelam frases como: "por que eu não iniciei antes?", "Tô falando pra todo mundo vir fazer terapia", "Há um tempo atrás eu faria totalmente diferente", "Como não enxerguei isso antes?", "Sou uma nova pessoa"...
A Declaração dos Direitos Humanos defende a ideia de que a saúde é um direito universal, contudo, algumas políticas governamentais não facilitam o acesso à ela, principalmente no âmbito da saúde mental. A exigência social em torno do poder e sucesso, imediatismo e baixa tolerância à frustrações contribuem para o desenvolvimento dos transtornos mentais e, sem um suporte psicológico e psiquiátrico, o agravamento de quadros psicopatológicos aumenta.
O ser humano não é uma receita de bolo única, nem um robô que tem a mesma programação. Somos únicos e por isso, complexos. É por isto que oferecer métodos universais de cura para o sofrimento psíquico é altamente perigoso. A psicoterapia então se faz necessária porque é através de uma ciência que estuda o comportamento humano (psicologia) que é possível respeitar e compreender a singularidade de cada indivíduo oferecendo o tratamento adequado de acordo com cada história de vida.
Cada ser humano que senta em frente ao psicólogo, está carregando consigo um passado repleto de dores e amores, o que ele fala não é necessariamente o que ele diz, as palavras nem sempre conseguem traduzir a dor ancorada naquele corpo, mas, o profissional da psicologia clínica possui capacitação para ouvir o que não é dito e oferecer uma intervenção importante para aquilo que ficou nas entrelinhas.
Na correria do dia a dia não paramos para refletir sobre as nossas ações, nem para prestar atenção no nosso corpo, muito menos nas nossas emoções. A alta demanda de trabalho, as cobranças sociais em torno de um "dar conta de tudo", os preconceitos e julgamentos muitas vezes impossibilitam a espontaneidade das pessoas, gerando seres automáticos e engessados.
Mas, como conseguiremos colocar a vida em movimento se não dermos atenção para aquilo que nos orienta? Não é possível trabalhar com qualidade se nossas emoções estão conturbando nossa forma de pensar e agir. É por isso que se conhecer se faz necessário, o autoconhecimento proporciona tomada de consciência do próprio funcionamento. Costumo dizer que quando entramos em um processo terapêutico passamos a descobrir qual o é o mapa da nossa vida, vamos conhecendo cada caminho, identificando atalhos, percebendo os becos sem saída. E decidindo caminhar pelo roteiro que mais combina com os nossos objetivos.
A psicoterapia não oferece respostas prontas, nem soluções para problemas. Mas ela oferece recursos para ajudar cada paciente a descobrir e construir as suas próprias respostas, desenvolver resiliência e se reconciliar com a sua história.
Não espere sofrer para reconhecer a importância de cuidar do seu eu, o autoconhecimento pode iniciar mesmo que não exista uma dor dilacerante. Você não tem que dar uma chance para a psicoterapia, você precisa dar uma chance para a sua saúde emocional, para você.



Mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira


Estamos na era das fake news: onde a mentira é utilizada para chamar a atenção. Você já percebeu o quanto estamos carentes de olhares a ponto de precisarmos construir uma mentira para sermos vistos?
Criamos, fantasiamos, inventamos algo que não é real no concreto mas sim na nossa imaginação e que serve de marketing ou chamariz para uma mente tão carente como a nossa.
Mentimos para ganhar atenção, para sermos vistos com admiração: a gente aumenta e inventa, mentimos pra ganhar e para não perder: para ganhar o amor de quem queremos conquistar, e para não perder a admiração daquela pessoa de quem ainda necessitamos de aprovação e que se descobrisse a verdade rejeitaria profundamente as nossas escolhas, mentimos para negar a realidade que nos causa dor. Mentimos porque em algum momento aprendemos que mentir funciona, que causa algum efeito. Até ser descoberta.
Mas será que as piores mentiras realmente são aquelas que escondem do outro o direito de saber a verdade ou se é aquela que contamos a nós mesmos?
É que quando deixamos de prestar atenção em nós mesmos, acabamos não percebendo o nome de cada emoção ou sentimento que habita em nós. É assim que nos afastamos de quem verdadeiramente somos para nos aproximarmos de quem achamos que devemos ser. Queremos tanto agradar o outro que sem perceber nos desagradamos.
Vale a pena refletirmos: Será que se tivéssemos carinho e atenção de qualidades precisaríamos construir falsas notícias para sermos vistos? As fake news trazem suas consequências, muitas vezes desastrosas, mas elas são sintomas de uma sociedade carente e entediada que não aprendeu a lidar com a falta, que não sabe reconhecer o limite entre a carência e a tragédia.
Por isso hoje tente perceber qual a maior mentira que você insiste em contar pro outro e principalmente, para si. Observe as consequências deste faz de conta.
Que possamos descobrir as mentiras que se abrigam nos cantos escuros da nossa mente, e que saibamos fazer as pazes com o que ali encontrarmos, de verdade.

domingo, 31 de março de 2019

Foi a vida que te esqueceu ou foi você que se vitimizou?


Uma das piores dores é a de se sentir excluído, você provavelmente sabe do que eu estou falando. Parece que todo mundo tem o seu lugar no mundo menos você que se sente um ser à parte, um ponto fora da curva, uma pessoa completamente deslocada, negligenciada, esquecida. “Todo mundo” está feliz - você pensa. “Todo mundo” está se divertindo - pelo menos é o que você vê nas suas redes sociais.

E é assim que você começa a questionar a sua própria vida, a criticar as suas escolhas, a se diminuir pelo fato de simplesmente ter uma vida diferente daquela que os outros aparentam ter. Você generaliza a felicidade alheia para intensificar a sua miséria, você usa de fragmentos de uma rede para condenar a sua própria vida, e talvez nem perceba mas cada vez que faz isso mais você se vitimiza diante da vida, como se o universo estivesse à favor de todos exceto de você.
E sim, pode ser que realmente as pessoas que você acompanha nas redes sociais estejam felizes, estejam se divertindo de verdade, aproveitando a vida. Mas essa é a vida que elas estão escolhendo, construindo, e você, o que está fazendo com a sua oportunidade de viver?

Por que tanto desprezo por si? Quando foi que você aprendeu a hipervalorizar as conquistas do outro e diminuir as suas? É que não estamos falando somente de conquistas, estamos falando de valorizar as próprias experiências, valorizar a sua própria vida.

Parece que aí dentro de você mora um indivíduo sabotador: que faz questão de olhar para os lados pra rejeitar o que está bem debaixo do próprio nariz. Isso te lembra alguém?

Pois é, deve ter sido muito dolorido receber um dar de ombros quando se queria ganhar um “parabéns”, deve ter sido muito frustrante receber um “não fez mais que a sua obrigação” quando na verdade você queria só um abraço de orgulho e admiração, e pra não viver toda essa dor novamente seu inconsciente aprendeu a esquecer de si e olhar somente para o outro, foi assim que você se tornou um cobiçador da vida alheia.

Você não precisa dar continuidade nesse aprendizado arcaico e infantil. Sabia disso? As vezes quem te ensinou, não sabia que também podia olhar para si e se admirar. Ou ainda, não sabia da importância de estimular alguém a olhar para si... E embora tenha doído muito, hoje você pode reconhecer esta dor de forma adulta e buscar recursos para lidar com as ausências do passado.

Você pode interromper este ciclo, pode começar a se apropriar mais dos dias, horas, minutos que existem a sua disposição. Pode se permitir construir experiências que combinam com a sua identidade, pode se lançar para novas possibilidades e sim, se lhe for oportuno, também compartilhar nas redes sociais a sua felicidade.
O mundo não é só para os outros, o mundo é para você também.

Não fez mais que a sua obrigação?


Eu poderia sintetizar este texto utilizando a metáfora do copo: há pessoas que o vêem meio cheio, outras, meio vazio. O que muda não é objeto observado, mas sim a forma como se observa.
É duvidoso pensar que alguém goste de ser pessimista, que obtenha prazer e até mesmo qualidade de vida vendo a vida sob a ótica da negatividade, do menos, da escassez. É interessante porque atualmente os livros de autoajuda são os mais vendidos no mercado, mas são também aqueles que após lidos geralmente vão parar em uma gaveta e ficam completamente esquecidos. Não é porque eles não oferecem bons conteúdos, mas é porque eles funcionam para quem já tem a tendência em olhar a vida pelo prisma do otimismo. Quem desconhece esse jeito de viver poderá até se esforçar para seguir as tarefas que os livros sugerem, mas terão que lutar contra seus monstros internos que os pede constantemente para continuar vendo o copo meio vazio.
As pessoas que trazem este olhar pesado e até mesmo preto e branco sobre a vida possuem um caso íntimo com o perfeccionismo. Qual a relação? Quanto mais metódicas e exigentes consigo, maior a tendência em verem defeitos em si e no mundo.
Geralmente elas só se darão conta do quão doloroso é o próprio funcionamento quando receberem críticas: "Você é uma pessoa amarga", "...ranzinza, amargurada", "...está sempre de cara fechada, insatisfeita, emburrada". E também quando se compararem a outras pessoas que demonstram maior flexibilidade e gratidão para com a vida, aí se questionarão: "o que há de errado comigo?"
Como aprenderam desde muito cedo a serem perfeitas, acreditam que a busca pela perfeição é o único jeito de viver. Porém não se dão conta que o problema não está nas imperfeições que a vida apresenta, mas sim na busca delas por este ideal.
É interessante porque a sociedade capitalista reforça este padrão de perfeição, e contraditório porque esta mesma sociedade cultua através da arte, lugares e personagens aquilo que foge do padrão. A Torre de Pisa é um exemplo, milhares de pessoas visitam anualmente a torre torta na Itália para vê-la, tirar foto com ela; não muito longe temos em Gramado - RS, a famosa Rua torta que atrai centenas de turistas diariamente. Lady Gaga também representa este ponto fora da curva, uma cantora que faz do seu corpo uma tela para aquilo que quer representar rejeitando os padrões estereotipados para a sua profissão. Ou seja, parece que nós precisamos cultuar o que é imperfeito para mantermos a ilusão de que somos perfeitos.
As consequências disso são dolorosas do ponto de vista emocional: não reconhecemos os nossos limites, nos frustramos com muita facilidade, resistimos a mudanças, rejeitamos as adaptações, ficamos irritadiços quando algo não dá certo como idealizamos, não desenvolvemos resiliência, nos tornamos pessoas "emburradas".
E é necessário se dar conta dos prejuízos individuais que a ação de ver o copo meio vazio traz, é preciso identificar a dor da própria imperfeição para aprender a lidar com ela.
Então eu te lanço alguns desafios de autoconhecimento:
·         se olhe no espelho e perceba como você costuma se enxergar (com críticas ou com elogios);
·         reflita: quando você não consegue conquistar algo que quer, o que passa pela sua mente a seu respeito?
·         quando alguém próximo te presenteia, você se sente grato por isso ou acha que a pessoa não fez que a obrigação dela?

A psicoterapia provoca questionamentos fundamentais para que a tomada de consciência ocorra, mas sobretudo, ela oferece suporte para que o indivíduo faça contato com a dor de nunca ter sido considerado bom o suficiente. É através deste processo interno que a mudança real ocorre. Procure um psicólogo.